Walter Miranda
Artista Plástico

A arte de transformar dificuldades em vantagens

2014
Oscar D'Ambrosio - Revista Unesp Ciência - Outubro - Pags. 42 e 43.
A arte de transformar dificuldades em vantagens

 

O artista plástico Walter Miranda se considera um defensor da técnica na pintura. Entre seus argumentos, está o de que, para voar mais alto, é preciso saber como gastar menos energia, ou seja, é o conhecimento que traz resultados cada vez melhores em qualquer atividade.

Entre julho e agosto últimos, ele apresentou a exposição Réquiem a Gaia - In Totum, na Reitoria da Unesp. A atividade se insere no Projeto 15x15, parceria entre a Universidade, por intermédio de seu Comitê de Artes e Cultura ligado à Pró-reitoria de Extensão Universitária, e a Associação Profissional de Artistas Plásticos de São Paulo, da qual é presidente no triênio 2013/2015.

Miranda mostrou mapas em que alerta para a destruição da natureza pelo ser humano. Para isso, apropria-se dos mais diversos objetos e materiais, como cartões de crédito, palitos de fósforos usados, placas de computador ou lascas de lápis apontados. São elementos que trazem conteúdo simbólico e, acima de tudo, preocupações estéticas.

Nascido em 1954, no bairro de Itaquera, em São Paulo, SP, Miranda, filho de pais separados, frequentou, dos 9 aos 12 anos, um colégio interno. Foi ali que teve a sua primeira experiência com a arte. A professora pediu que as crianças fizessem um desenho, e o dele mereceu destaque.

Passou a ser sempre chamado à lousa para fazer desenhos e ajudar a professora nas aulas. Pouco depois, começou a confeccionar pequenos gibis que vendia na feira próxima de sua casa para ganhar algum dinheiro.

Mais tarde, estudou ilustração na Escola Panamericana de Arte, onde recebeu o estímulo do ilustrador e desenhista de histórias em quadrinhos Nico Rosso, que o aconselhou a fazer aulas de modelo vivo na Pinacoteca do Estado de São Paulo. A atividade semanal era coordenada pelo artista plástico Gregorio Gruber.

No curso da Pinacoteca, além de aprender muito, tanto pela prática de desenho quanto ouvindo os comentários do professor e dos colegas, Walter Miranda passou a atuar ele mesmo como modelo. Não só ali, mas em outras instituições de ensino. Essa atividade multiplicou as oportunidades para conviver com diversos artistas, e, também, de ouvir muitos comentários em sala de aula sobre arte e sobre técnicas de desenho e pintura.

No início da carreira, os trabalhos de Miranda apresentavam uma forte vertente social. O primeiro quadro que vendeu, por exemplo, retratava um soldado em primeiro plano, uma nuvem de gás lacrimogêneo vinda do solo e estudantes correndo.
A ideia era mostrar que não era apenas um único militar que amedrontava os jovens, mas sim todo um contexto que o apoiava e que estava fora do quadro no mundo real do espectador.

Naquela época de iniciante, a falta de condições financeiras para comprar material de trabalho levou Miranda a desenvolver alternativas para conseguir se expressar plasticamente. Nos anos 1980 desenvolveu um processo no qual desmanchava revistas, batia o papel no liquidificador e, usando pedaços de madeira como prensa, criava bases com espessura de 8 mm. Depois fazia desenhos e pinturas sobre as bases.

As dificuldades foram se tornando vantagens que o estimularam a erguer com as próprias mãos seu ateliê. Ele se localiza no bairro paulistano do Sacomã. Possui um pé direito bem alto, de sete metros, e amplas vidraças. A observação do mundo e a prática no lidar com diferentes materiais tornaram-se uma marca registrada. Foi por essa via que Walter Miranda chegou ao uso artístico de placas de computadores.

Ao frequentar a casa do amigo e escultor Roberto Gianecchini, que trabalhava para uma empresa francesa consertando e trocando micros, Miranda enxergou nas placas de processadores vistas aéreas de cidades. Levou algumas para o ateliê e começou a usá-las em seus trabalhos. Inicialmente, utilizava cada uma delas no tamanho original. Depois, realizou pesquisas serrando e adaptando o material de acordo com seus objetivos visuais.

Uma característica constante do trabalho de Walter Miranda são os mapas. Com o fim da ditadura militar, continuou a ser contestador, mas seu foco se ampliou. Sua crítica passou a demonstrar a maneira a maneira irresponsável com que se usa a tecnologia apenas para gerar dinheiro, deixando de lado o respeito à natureza. A região paulistana onde nasceu, por exemplo, que anteriormente era repleta de verde, tornou-se uma selva de asfalto e concreto.

Miranda foi professor no Liceu de Artes e Ofícios, de 1986 a 1995, e desde 1996 dá aulas em seu atêlie. Sua atividade como professor inclui desenho, aquarela, pastel, nanquim, figura humana e pintura. Ele também profere palestras, conferências e workshops em escolas de arte, instituições culturais, faculdades e universidades. Graças a essas atividades, Miranda vem observando que atualmente há muitos jovens artistas com pouco espaço para expor. Esse quadro se agrava com as universidades recebendo jovens do ensino médio com carência de formação básica em artes, tanto na prática como na teoria. O resultado é que os quatro anos de curso superior são um período muito curto para fornecer uma melhor bagagem de referências, essencial para que se crie um patamar de conhecimento que o artista possa usar ao longo da carreira.

Miranda diz que aprendeu na ditadura a importância da lógica e da inteligência. Como era impossível vencer pela força, a alternativa estava no convencimento da sociedade pelos argumentos. Do mesmo modo, quanto mais o jovem artista conhecer desenho, perspectiva e noções de luz e sombra, mais poderá desaprender, sintetizando e estilizando, para encontrar a própria forma de expressão.

 

Oscar D'Ambrosio  - Revista Unesp Ciência - Pags. 42 e 43 - outubro de 2014

Walter Miranda
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